Por Guilherme Pimenta, Talita Moreira, Adriana Mattos e Álvaro Campos, Valor — Brasília e São Paulo
Os ministros do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, e da Fazenda, Fernando Haddad, planejam colocar na rua em um mês o Desenrola, iniciativa do governo para renegociação de dívidas. O programa, no entanto, é de grande complexidade e tirá-lo do papel não será tão fácil. Implica definir taxas de juros, percentuais de desconto para as dívidas e quem assumirá o risco, entre outras questões.
O Valor apurou que os bancos já estudam o assunto para ter uma proposta à mão quando forem abordados. O tema foi discutido entre o presidente da Febraban, Isaac Sidney, em reunião com Haddad na quarta-feira, em Brasília, tendo em vista que o governo já pediu adesão das instituições financeiras ao programa.
Caixa e Banco do Brasil terão papel preponderante na formulação dos programas, segundo fontes que acompanham o assunto em Brasília. Não está claro, porém, como será essa participação. Instituições financeiras privadas também trabalham num desenho, até para ter voz num processo no qual terão de atuar.
Um caminho possível, segundo discussão preliminar no setor, é os bancos assumirem o processo operacional, embora quase dois terços das dívidas das famílias seja com empresas não financeiras, como varejistas, concessionárias de água e energia e empresas de telefonia. Nesse caso, as instituições financeiras comprariam, com desconto, os créditos que as companhias têm a receber. As famílias, então, ficariam com saldo devedor menor, que teria de ser pago ao banco.
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Para atrair as instituições, o governo terá de colocar a mão no bolso. Os bancos só terão apetite ao risco, que é alto, se for mitigado por um fundo garantidor, nos moldes do que foi usado nas linhas emergenciais de crédito criadas na pandemia, como o Pronampe. No caso da modalidade, voltada a pequenas empresas, o Tesouro chegou a bancar 80% do risco de calote.
Ou seja, se o banco assumir uma dívida que originalmente não é sua, renegociá-la e o devedor ainda assim não pagar, esse mecanismo garantidor entra absorvendo uma parte da inadimplência. A instituição financeira arca com o restante. Essa divisão de riscos foi o que permitiu que as linhas da pandemia chegassem à ponta com taxas de juros mais baixas (…)
Outro ponto considerado pelos bancos importante para terem interesse no programa é a definição de questões como garantia, funding, se a adesão será voluntária ou não, como o Desenrola será operacionalizado e se haverá centralização. Há uma preocupação com a viabilidade e o tempo que será necessário para a construção do sistema operacional.
O varejo também tem preocupações. Fontes do setor entendem que o programa será positivo se gerar escala de renegociação, o que exigirá do governo campanhas em massa para atrair consumidores. “Se o consumidor renegocia, volta limpo para a base de clientes adimplentes, e pode gastar de novo na loja. Só que aquilo que motiva a compra é a confiança da população na economia, a certeza de que ficará empregado ou que conseguirá emprego. E esse nível de confiança está baixo”, diz o diretor de uma varejista nacional. (…)
Quem levantou a bandeira do Desenrola nos últimos dias foi o ministro do Desenvolvimento Social. No entanto, segundo fonte ligada à Fazenda, Haddad pretende acelerar o lançamento do programa, apesar de a pasta reconhecer as dificuldades de implementá-lo, sobretudo do ponto de vista fiscal.
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Até agora, há mais perguntas do que respostas sobre o Desenrola.
Não está claro o tamanho do programa. Uma estimativa do Goldman Sachs indica que a dívida não bancária vencida gira em torno de R$ 172 bilhões, enquanto a bancária soma R$ 88 bilhões. Nos dois casos, metade do volume se refere à população de baixa renda.
O governo estaria pensando em incluir no Desenrola as famílias com renda mensal inferior a três salários mínimos (R$ 3.960). Dado que grande parte da base da pirâmide vive de trabalhos informais, como mapear o público-alvo? Uma ideia em estudo, segundo o Valor apurou, seria o estabelecimento de um limite para dívidas a ser renegociadas.
Outro ponto aventado seria oferecer alguma forma de compensação aos bancos nos depósitos compulsórios. Mas a regulação do recolhimento é uma atribuição do Banco Central, agora independente, e não do governo.
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