Lançamento: Vinte e cinco anos de economia brasileira – 1995-2019

Gerson Gomes

A elaboração de um documento que reunisse e sistematizasse um conjunto expressivo de informações sobre a evolução econômica e social do Brasil é um projeto original do Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI cujo ponto de partida foi a publicação, em julho de 2014, da primeira edição dos “Vinte Anos de Economia Brasileira” e sua atualização, em versão impressa, em março de 2015. Desde então foram disponibilizadas outras quatro atualizações em formato digital. Esta nova edição mantem a mesma estrutura das anteriores, mas traz como novidade a mudança do seu título em consonância com o período efetivamente coberto pelas informações coletadas: agora, incluindo os dados de 2019, são “Vinte e Cinco Anos de Economia Brasileira”.

Esse quarto de século de nossa evolução econômica e social é marcado por experimentos de natureza antagônica, avanços e retrocessos. Ele se inicia com a intensificação das políticas de corte neoliberal, implantadas no País no início dos anos 90, que contextualizaram o processo de estabilização advindo com o Plano Real e prevaleceram durante todo o período 1995/2002: privatização de empresas estatais estratégicas e bancos públicos a partir de mudanças no ordenamento econômico estabelecido na Constituição de 1988, limitação da intervenção do Estado no domínio econômico às políticas pró mercado, abertura comercial e financeira do País, flexibilização das relações trabalhistas e esvaziamento das organizações de representação dos trabalhadores. E conclui, depois de um ciclo desenvolvimentista inédito de crescimento, distribuição de renda, inclusão social e consolidação democrática, que reduziu a pobreza, aumentou a mobilidade social e projetou o Brasil no cenário internacional, com o retorno, a partir do final de 2016, ao fundamentalismo de mercado, na esteira da crise político-institucional desencadeada após as eleições de 2014, que serviu como caldo de cultura para a transformação do processo de desaceleração da economia, já evidente a partir do segundo trimestre daquele ano, em uma recessão sem precedentes no biênio 2015/2016.

Os resultados desses mais de três anos de restauração neoliberal não são alentadores. A narrativa de que com as chamadas “reformas estruturais” – a reforma trabalhista, a reforma fiscal, com o congelamento do gasto público por 20 anos, a reforma da Previdência, a abertura irrestrita ao capital internacional e a privatização de empresas e recursos naturais, entre outras – o País ingressaria espontaneamente em um novo ciclo virtuoso de crescimento econômico e progresso social revelou-se falsa. A retórica reformista aparentemente não convenceu ao setor empresarial e aos investidores externos, que não traduziram sua aprovação explícita a essas políticas em decisões de investimento consistentes com a recuperação da atividade econômica.

Sem o investimento autônomo do Estado, cerceado em sua capacidade financeira e de intervenção, e sem políticas voltadas para a reativação da demanda interna, o crescimento entre 2017 e 2019, embora positivo, foi medíocre (1,3% nos dois primeiros anos e 1,1% em 2019); a taxa de investimento ficou estagnada em torno a 15% do PIB, ainda abaixo do piso atingido em 2016, no auge da recessão; o desemprego se manteve em taxas elevadas, amplificadas pelo efeito “desalento” e pelo aumento da subutilização da força de trabalho potencial; a informalização do mercado de trabalho aumentou expressivamente, induzida também pelas mudanças nas relações de trabalho, reduzindo a proteção social e a renda de uma parcela significativa da população empregada e debilitando a capacidade de autofinanciamento da Previdência; o consumo das famílias aumentou escassamente; a reforma da Previdência cortou direitos e inviabilizou, para parte expressiva dos trabalhadores, a possibilidade de uma aposentadoria digna; e os indicadores sociais regrediram em diversas áreas, inclusive com o aumento da população em situação de pobreza e indigência e a ampliação das desigualdades sociais.

Não é fácil prever se, e como, esse quadro possa ser revertido com o aprofundamento de um modelo ultrapassado que submete de maneira irrestrita os processos de produção e de distribuição da renda à lógica do capital, conduz à fragilização institucional do Estado e acelera a degradação do meio ambiente. Para não falar no realinhamento geopolítico praticado pelo atual governo, com a abdicação explícita de um projeto de nação minimamente autônoma e da busca de outras opções de inserção do País na economia global e no sistema mundial de poder.

Da perspectiva do desenvolvimento do Brasil a médio e longo prazo, as medidas que vem sendo adotadas são extremamente preocupantes. É o caso do desmonte dos instrumentos de política econômica e social em mãos do setor público, do qual a regressão da atuação do BNDES é um exemplo emblemático; o desmantelamento da Petrobrás e da cadeia de petróleo e gás, incluindo a venda açodada das reservas do pré-sal, que constituía, junto com o desenvolvimento da bio-economia, da infraestrutura logística de integração regional e da base industrial de defesa, um dos possíveis pilares para a sustentação do crescimento a longo prazo; a anunciada abertura da Amazônia e das reservas hídricas à exploração predatória de investidores internos e internacionais; a privatização e internacionalização de outros setores estratégicos, como a energia elétrica e a base industrial da defesa; o retrocesso no caráter público e universal de serviços básicos como a educação, a saúde e a previdência social; e a descontinuidade das anteriores políticas exitosas de emprego, valorização salarial e sustentabilidade ambiental, para citar algumas das mais eloquentes.

Essas e outras medidas afins, somadas ao tensionamento institucional do Estado democrático associado ao “modus operandi” político do novo governo, tendem produzir efeitos internos desestruturantes e podem comprometer nossas possibilidades de desenvolvimento futuro, especialmente em quatro das dimensões cruciais desse processo: a homogeneização da sociedade, com a superação do atraso educacional, a erradicação da fome e da miséria e a redução acentuada das desigualdades sociais; o aperfeiçoamento da democracia como forma de participação e representação dos interesses dos diversos segmentos da população e instrumento de mediação do conflito distributivo entre o capital e o trabalho; a construção de uma base científico-tecnológica que permita promover e dinamizar endogenamente a transformação do sistema produtivo e o crescimento sustentável da economia, especialmente do seu complexo industrial, sem o que não há desenvolvimento possível; e a ampliação da autonomia do Estado brasileiro para definir suas políticas e gerir os recursos econômicos e naturais em função das necessidades da população, da preservação do patrimônio ambiental e dos interesses estratégicos nacionais.

Como é óbvio, a aposta no mercado como vetor autônomo e hegemônico da alocação de recursos e da distribuição dos resultados da atividade econômica não exclui, em tese, a possibilidade de ocorrência de ciclos de crescimento, associados, por exemplo, ao investimento externo, à instalação de indústrias de maquila e à exploração predatória dos recursos naturais e da mão de obra local. No entanto, em uma economia continental, complexa e heterogênea como a brasileira, é improvável que esse tipo de ciclo expansivo, geralmente não inclusivo e pouco integrado, possa induzir uma dinâmica transformadora capaz de sustentar o processo de crescimento e dar respostas consistentes aos reais problemas estruturais do País, especialmente à extrema e crônica desigualdade que historicamente caracteriza sua matriz social.

Por último, no momento atual o Brasil vive um novo drama que tende a agravar sobremaneira as tendências associadas à dinâmica do modelo econômico adotado e à medíocre performance do triênio 2017/19: os impactos, ainda de difícil mensuração, da pandemia do COVID19 que seguramente moldarão a evolução econômica, nacional e mundial, nos próximos anos. As consequências dessa pandemia nos planos humanitário e socioeconômico são ainda imprevisíveis e podem ser trágicas, especialmente se predominarem no seu combate interesses alheios à proteção da vida e dos setores economicamente mais frágeis da população e percepções do período pós-pandemia como oportunidade para o aprofundamento das políticas concentradoras e excludentes atualmente em curso.

A crise atual, no entanto, tem, como Jano, duas faces: em oposição ao retrocesso e à tragédia social ela abre também a possibilidade de repensar o padrão de desenvolvimento brasileiro e pautar o enfrentamento de suas consequências na perspectiva da construção de um novo caminho de progresso e justiça social para o País.

Abril de 2020

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