Mesmos com subsídios, não é factível mover toda a cadeia global de equipamentos e insumos para um único país ou região.
Por Cheng Ting-Fang e Lauly Li — Nikkei, de Taipé
Texto reproduzido pelo Valor Econômico
Em junho, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Co (TSMC) enviou com urgência ao Japão uma equipe para visitar alguns fornecedores de equipamentos da empresa. Por que razão, essas empresas estavam dizendo não ter condições de entregar máquinas cruciais no prazo prometido? A TSMC, maior fabricante de chips do mundo, que sempre vira os fornecedores se empenharem ao máximo para atender às suas exigências, pela primeira vez se deparava com mensagens de desculpas.
A situação era altamente delicada. A TSMC está em meio a um plano de expansão de US$ 100 bilhões que foi estimulado por governos nacionais após a alarmante escassez de chips em 2021. Mas a gigante taiwanesa descobriu que suas cadeias de suprimentos são assoladas por gargalos, que afetam todo tipo de item, desde lentes de alta precisão até válvulas e tubos aparentemente corriqueiros.
Em março, a equipe da TSMC havia feito uma viagem similar aos EUA para investigar por que máquinas de produção de chips encomendadas pela TSMC estavam levando até 18 meses para chegar.
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Os problemas vêm criando um efeito em cascata, fornecedor a fornecedor, dificultando a normalização da oferta mundial de chips, os corações e cérebros que alimentam desde dispositivos eletrônicos como computadores e telefones celulares até automóveis.
Os governos da China, EUA, e de países da Europa, entre outros, decidiram ter fábricas de semicondutores “onshore”, dentro de suas fronteiras. A chamada resiliência da cadeia de suprimentos tornou-se um objetivo central. Só que tal resiliência é um mito.
O problema é que esses esforços lidam só com as partes visíveis da cadeia de semicondutores. Por trás da produção de chips há uma rede de fornecedores de equipamentos e outros itens, incluindo centenas de matérias-primas, produtos químicos, peças que precisam de reposição frequente, gases e metais, sem os quais o processo de altíssima precisão de fabricação de chips não funciona.
A indústria globalizada de semicondutores costumava funcionar sem percalços congregando dezenas de países, mas o esforço para replicar essa arquitetura dentro de um só país ou de determinadas regiões tem revelado e exacerbado os gargalos na cadeia de suprimentos.
“Não se trata só das [fábricas] que produzem os chips, mas de tudo o que vai nelas”, disse Jens Liebermann, vice-presidente da área de materiais semicondutores da unidade de materiais eletrônicos da BASF, o conglomerado químico alemão. “Todos os materiais, produtos químicos, gases e suas matérias-primas. Tudo tem que estar lá. Tudo se resume a onde está a matéria-prima, onde está a produção e quem pode lidar com a logística?”
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Gargalos. Não importa o quão insignificantes possam parecer, essas válvulas, tubos, dutos, bombas e recipientes são um estudo de caso sobre o que significa complexidade – e estão deixando os executivos malucos.
Só um punhado de fornecedores especializados é capaz de atender aos padrões contra contaminações e de lidar com a burocracia de produzir itens que também podem ter uso militar. Portanto, ampliar a capacidade produtiva não é uma tarefa fácil.
Tensão comercial, pandemia e guerra. A procura por uma maior resiliência da cadeia de chips surgiu em meio à disputa tecnológica entre EUA e China. A onda pela autossuficiência cresceu e tornou-se mundial no fim de 2020, quando uma escassez sem precedentes de chips impactou a produção de carros e prejudicou uma ampla série de setores, afetando o crescimento econômico global e ameaçando empregos.
A guerra na Ucrânia ampliou ainda mais as demandas por segurança nas cadeias. O conflito elevou os preços da energia, metais, produtos químicos e gases cruciais necessários para muitos fornecedores de chips. Também aumentou o senso de urgência.
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O longo caminho para a produção interna. Os esforços da China demonstram que as dificuldades práticas de construir uma cadeia de fornecimento de chips não podem ser superadas nem com investimentos da ordem de bilhões de dólares.
A implicação matemática de ter muitos países criando novas cadeias de fornecimento de chips dentro de suas fronteiras é que a capacidade produtiva será muito maior do que a realmente necessária para o mundo como um todo.
Empresas do setor têm sinalizado que os planos de investimento muitas vezes não têm lógica econômica, sustentando que em muitos casos as fábricas só serão construídas se forem fortemente subsidiadas. Dado a aparentemente desaceleração dos gastos dos consumidores em eletrônicos e os temores de uma recessão, as perspectivas para a demanda real por chips, pelo menos no curto prazo, ficaram repentinamente incertas.
(Entretanto) [A] maioria dos executivos do setor dá como certo um aumento de longo prazo na demanda por chips, não importa o ambiente econômico atual, uma vez que itens de uso cotidiano se tornam mais conectados e complexos e que os carros se tornarão elétricos e, em última análise, autônomos. Projeta-se que receita do setor de semicondutores, que em 2021 somou quase US$ 600 bilhões, chegue a US$ 1 trilhão em 2030.
(Tradução de Sabino Ahumada)
Texto reproduzido pelo Valor Econômico. Leia a íntegra aqui