Gerson Gomes
O Brasil atingiu, nesse início de janeiro, a marca de 200.000 mortos pela pandemia do COVID 19, resultado do descaso e incompetência com que a crise sanitária vem sendo tratada pelas autoridades responsáveis por sua gestão. A ausência de uma estratégia clara e de um plano de ação bem articulado de âmbito nacional se reflete em alguns indicadores agregados mostrados no quadro abaixo, que colocam o País em posição de inferioridade em comparação com as taxas médias de disseminação da pandemia e de óbitos prevalecentes à escala mundial:
Indicador Mundo Brasil RelaçãoBrasil/Mundo
População 7,8 bilhões 212 milhões 2,72%
Nº infectados 87,9 milhões 8,0 milhões 9,1%
Nº óbitos 1,895 milhões 200 mil 10,55%
Taxa infecção 1,13% 3,88% 3,43
Taxa de óbitos 2,15% 2,50% 1,16
A taxa de infecção é função de diversos fatores, entre os quais dois são particularmente relevantes na ausência de um processo massivo de vacinação e/ou de medicamentos eficazes de tratamento da população infectada: o distanciamento social e o uso de máscaras, procedimentos que tem sido desestimulados pelo alta direção do País. Já a taxa de óbitos está associada à disponibilidade e eficiência de serviços de saúde, inclusive de unidades tratamento intensivo para o cuidado dos pacientes em situação de vulnerabilidade e com maior de risco. O aumento da taxa de transmissão eleva a pressão sobre a estrutura hospitalar disponível, podendo provocar a desorganização e falência do sistema de saúde.
Os dados apresentados podem não ser precisos devido às baixas taxas de transmissão do vírus em diversos países asiáticos e na maior parte da África, mas são expressivos. O Brasil tem 2,72% da população mundial mas registra 9,1% do total de infectados e 10,55% do número total de óbitos. Note-se que esses indicadores só não são piores devido à existência do SUS, um sistema de saúde pública de abrangência nacional, e a provável subnotificação dos óbitos causados pela pandemia, cuja magnitude, segundo os especialistas, é da ordem de 25%.
Notícias recentes indicam que o País parece, afinal, ter adotado algumas medidas, ainda tímidas e insuficientes, para iniciar o processo de vacinação da população. Isso vai de encontro à estratégia defendida pelo governo federal, que nega a necessidade da vacinação em massa da população e aposta na tese da chamada “imunidade de rebanho”, estimulando o rechaço das vacinas por uma parte não negligenciável da população, em uma espécie de re-edição da revolta da vacina[1].
Segundo os especialistas, a “imunidade de rebanho” se atinge quando algo em torno a 70% da população já desenvolveu, via infecção, os anticorpos ao vírus. Em um país continental como o Brasil, com uma população de 212 milhões de habitantes, uma estratégia desse tipo produziria “danos colaterais” inaceitáveis. Ela significa que seria necessário que 148.400.000 pessoas contraíssem o vírus. Supondo que a taxa de letalidade se mantenha constante (2,5% dos infectados) isso se traduziria em 3.710.000 óbitos, um número absurdo mesmo para o mais desumano e insano dos negacionistas. Ou não?
Essa estimativa é evidente simplificadora e imprecisa. Um cálculo mais elaborado implicaria incorporar à projeção uma série de outros fatores, inclusive de natureza econômica e social, e coeficientes de correção e ajuste da evolução demográfica e das taxas de infecção e de letalidade ao longo tempo. Mas o exercício é válido como advertência. Ainda que o número de óbitos possa ser menor, ele é, em qualquer hipótese, assustador.
Somente dando crédito à ciência e com um comprometimento efetivo das autoridades responsáveis pelos destinos do País com a preservação da vida e da saúde da população poderemos evitar a tragédia que esses números sugerem. Frente à crise sanitária e seus possíveis desdobramentos, só há uma prioridade: a vacinação, no menor prazo possível, da maior parte da população brasileira. Isso não elimina o vírus, mas permite o seu controle. E salva milhões de vidas.
[1] Episódio ocorrido no final de 1904 em resposta à obrigatoriedade da vacina contra a varíola. Como menciona o site da FIOCRUZ, as camadas populares, apesar do elevado número de infectados, “rejeitavam a vacina, que consistia no líquido de pústulas de vacas doentes. Afinal, era esquisita a ideia de ser inoculado com esse líquido. E ainda corria o boato de que quem se vacinava ficava com feições bovinas.”