Esta nova edição dos “Vinte Anos de Economia Brasileira”, a sexta desde 2014, incorpora os dados de 2018, cobrindo praticamente todo o período pós-Real. Período, cabe ressaltar, rico em experimentos, vicissitudes, avanços e retrocessos, que se inicia com a intensificação das políticas de corte neoliberal – privatizações e limitação do papel do Estado, abertura comercial e financeira da economia, desregulamentação das relações capital/trabalho, esvaziamento das organizações de representação dos trabalhadores e redução dos direitos sociais – implantadas no País no começo dos anos 90 e conclui, depois de um ciclo desenvolvimentista de crescimento, inclusão social e consolidação democrática, com o retorno, em 2016, ao fundamentalismo de mercado, no bojo da crise político-institucional desencadeada após as eleições de 2014.
Como evidenciam os dados apresentados, o quadro da economia brasileira não é alentador. Apesar das promessas de redenção econômica, que se materializariam com as “reformas” previstas no receituário neoliberal – a reforma trabalhista, a reforma fiscal, com o congelamento do gasto público por 20 anos, a reforma da Previdência e a privatização de empresas e recursos naturais, entre outras –, o setor privado não traduziu sua aprovação explícita a essas políticas em um esforço de investimento consistente com a recuperação da atividade econômica.
Sem o investimento autônomo do Estado, debilitado em sua capacidade financeira e de intervenção, e com o setor privado ainda reticente sobre os rumos da economia, o crescimento em 2017 e 2018, embora positivo, foi medíocre; a taxa de investimento ficou estagnada em torno a 15% do PIB, o desemprego se manteve em taxas elevadas, amplificadas pelo efeito “desalento”; a informalização do mercado de trabalho aumentou expressivamente, induzida também pelas mudanças nas relações de trabalho, reduzindo a proteção social e a renda de uma parcela significativa da população empregada e debilitando a capacidade de autofinanciamento da Previdência; o consumo das famílias aumentou escassamente; e os indicadores sociais regrediram em diversas áreas, inclusive com o aumento da população em situação de pobreza e indigência. Somente o setor externo, ainda não alcançado pelas “reformas”, manteve um desempenho satisfatório, embora em um patamar inferior ao observado nos anos anteriores.
Não é fácil prever se e como esse quadro possa ser revertido com o aprofundamento do modelo econômico implantado a partir de 2016, que submete de maneira irrestrita os processos de produção e de distribuição da renda à lógica do mercado, a fragilização institucional do Estado e a abdicação do projeto da nação implícita no realinhamento geopolítico do País, propostos pelo novo governo.
Pelo contrário, da perspectiva do desenvolvimento do Brasil a médio e longo prazo, o desmonte dos instrumentos de política econômica e social em mãos do setor público, com a regressão da atuação do BNDES, o desmantelamento da Petrobrás e da cadeia de petróleo e gás e sua transferência para corporações estrangeiras, a venda açodada das reservas de petróleo do pré-sal e a privatização e internacionalização de outros setores estratégicos, como a energia elétrica e a base industrial da defesa, bem como o retrocesso nas políticas de sustentabilidade ambiental, para citar alguns exemplos mais eloquentes, são extremamente preocupantes.
Essas e outras medidas afins que possam vir a ser adotadas na exploração de outros recursos naturais e em diversos segmentos da economia e dos serviços sociais, bem como no redirecionamento do patrão de inserção do Brasil na economia global e no sistema mundial de poder tendem a produzir efeitos internos desestruturantes e podem comprometer nossas possibilidades de desenvolvimento futuro, especialmente em quatro das dimensões cruciais desse processo: a homogeneização da sociedade, com a erradicação da fome e da miséria e a redução acentuada das desigualdades sociais; o fortalecimento da democracia como forma de participação e representação dos interesses dos diversos segmentos da população e instrumento de mediação do conflito distributivo entre o capital e o trabalho; a construção de uma base científico-tecnológica que permita sustentar e dinamizar endogenamente o crescimento da economia, especialmente do seu complexo industrial; e a ampliação da autonomia do Estado brasileiro para definir suas políticas e gerir os recursos econômicos e naturais em função das necessidades da população, da preservação do patrimônio ambiental e dos interesses estratégicos nacionais.
Como é óbvio, isso não exclui a possibilidade de ocorrência de ciclos espasmódicos de crescimento, associados, por exemplo, ao investimento externo, à instalação de indústrias de maquila e à exploração predatória dos recursos naturais e da mão de obra local. Em uma economia continental, complexa e heterogênea como a brasileira, é difícil imaginar que esse tipo de ciclo expansivo, geralmente não inclusivo e pouco integrado, possa induzir uma dinâmica transformadora capaz de sustentar o processo de crescimento e dar respostas consistentes aos problemas estruturais do País.
Como temos enfatizado desde a primeira edição dos “Vinte Anos”, o esforço de disponibilizar e sistematizar, em um mesmo documento, um amplo conjunto de dados e informações sobre a nossa realidade econômica e social, a maior parte proveniente de fontes oficiais, tem o propósito de contribuir para que o debate dessas questões possa apoiar-se em bases objetivas e não em posicionamentos doutrinários a priori, que tendem a obscurecer e, frequentemente, deformar a percepção da natureza dos fenômenos e processos em curso na sociedade brasileira.
Gerson Gomes